24 de maio de 2012

Pela goela abaixo.


Quando eu era criança e não queria tomar o remédio, a mamãe apertava a minha boca nas laterais até eu formar um biquinho e enfiava a colher lá no fundo, até onde eu não conseguisse cuspir de volta.
É assim que me sinto com algumas pessoas.
Parece que me enfiam elas pela goela abaixo e depois ainda preciso sorrir pra foto, sem mostrar sintomas de cara feia , mesmo com aquele gosto azedo penetrando por dentro.
A diferença é que quando criança eu sabia que daqui uns dias ia acabar o remédio , e agora, aos 27 anos, esse gosto ruim é por tempo indeterminado.
Deveria ser proibido viver de aparências. Deveria ser considerado ilegal conviver com quem não se gosta. Trabalhar então, nem se fala...
Não sejamos hipócritas, a vida é assim.
Existe uma linha muito tênue entre o ser educada e o ser falsa, e eu tomo um cuidado imenso para não ultrapassar essa linha e ser julgada pelo que não sou. Não pelo julgamento dos outros em si, mas por mim mesma, para a minha essência não ser abalada.
Aguento então, por amor ao que quer que seja, por respeito ao que não é meu, ou por inúmeros outros motivos, mas me dou o direito de chegar em casa e enfiar o dedo na goela aos berros, para colocar pra fora todo esse amargo engolido por obrigação.
Só assim sou capaz de suportar novamente o próximo dia de doença.

(Lara Gay)

14 de maio de 2012

Com gosto de amora.

Podia ser qualquer outra fruta, mas eu escolhi a amora.
Pra mim, só podia ser amora, porque é uma fruta doce, mesmo quando azeda.
Porque a amora pode ser de vários tipos: amora-branca, amora-preta, amora-vermelha, até amora-silvestre, mas todas são amoras! E você sabe só de olhar!
E ela é assim...
É doce em seus vários tipos de humor (mesmo quando está nos seus dias sem humor), ela tem cores, formas, ela embeleza os lugares por onde passa, ela deixa o cheiro no ar, ela é amor.
Só que é ela.
Ela é amora.
Amora boa mesmo é a de Julho, e foi exatamente quando nasceu a minha amora.
Ela veio canceriana com toda sua delicadeza e leveza.
Sua lágrima a embebeda de um sabor que até ela desconfia existir.
É linda até na sua dor... E como é linda essa minha amora!
Até a minha dor tem sabor desde que ela chegou.
O vento no rosto agora é dividido nos passeios de bicicleta, e naquele domingo chuvoso enquanto todos estavam embolados nas cobertas, ela estava ao meu lado no hospital, deixando cor na minha vida, segurando sua raiz junto da minha, acalmando meu peito agora com gosto...
Um gosto de amora que só ela tem. E eu... a tenho.

(Lara Gay)