27 de agosto de 2011

Sem (b)ela


Hoje é o primeiro dia sem ela.
Acordo pela metade.
Como se uma parte de mim continuasse dormindo.
Passei um mês me despedindo, e cada dia que passava a saudade já aumentava.
É possível isso?
Hoje me encontro nua com o coração na mão.
Descabelada observo o celular na esperança de sua chamada perdida de toda madrugada...
... Nada.
Pra quem vou retornar e dizer “Estava dormindo. Aconteceu alguma coisa?”
O café da manhã tá meio amargo e o fato de ser sábado não melhora meu dia.
Meu pensamento tá tão longe. Tá tão nela. Sou tão dela.
Me lembro como se fosse ontem: uma mesa de bar, muito barulho, muito álcool, poucos conhecidos, ela na minha frente, nossos sorrisos misturados, mentiras em menos de cinco minutos, cumplicidade em um olhar, telefones trocados, sua voz de “boa noite”.
Virou minha protetora. Aquela que me dá a bronca sem eu nem saber que fiz besteira.
A presença que sempre me acalma e a força que eu nunca tive.
Coragem é ela.
É agarrar o mundo como ela sempre fez. Como ela sempre faz.
Saio na rua sem sua voz me guiando e esbarro em lembranças pelo caminho.
O que será que minha bela está fazendo agora?
Quanto tempo ainda leva pras nossas vidas se cruzarem de novo?
Meu egoísmo quer chorar, mas engulo as lágrimas com a saudade me abraçando.
Hoje Nova Iorque está sorrindo.
E aqui, é apenas o meu primeiro dia sendo eu sem ser ela.

(Lara Gay)


19 de agosto de 2011

Vendo-me


Estou à venda.
Vendo sombras numa tela
Sugando vidas só pra ela
Sobram sonhos sem acorde
Acordando aos pés da morte
Morro sendo uma aprendiz
Sem ter drama de atriz
Diz que faço história nesse ramo de pecado?
A placa diz meu preço enquanto me vendo de olho fechado
Fez a personagem seu começo, meio e fim
Quando acaba é esquecida num canto qualquer de mim
Não tem fama sem ter cama
Mas tem fome e quer um nome
Vendo a arte na TV
Vendem a arte sem você
Vim de longe pra me ver
Anônimos posam sem cachê
Trocam tudo em bastidores
Estou na promoção de atores
Vender-se faz parte?
Vendo-me, então, à arte.

(Lara Gay)

9 de agosto de 2011

Luto.


Meu luto veio numa tarde de segunda-feira.
Em estado de choque desligo o telefone e não choro.
Fico parada por longos minutos sentada no sofá sem mover um dedo, sem soltar a respiração.
A primeira lembrança que me vem à mente é o seu sorriso tímido e branco... muito branco... muito tímido... com o som de uma risadinha encantadora no final.
Ao invés de chorar, sorrio junto com a minha lembrança.
Um sorriso doído, talvez mais triste que a própria lágrima. Um sorriso contido, cheio de flashs, cheio de história, cheio de cheiros.
Sinto raiva daquela esquina.
Aquela mesma esquina tijucana que foi cúmplice das nossas madrugadas largadas sem destino. Aquela mesma esquina tijucana que registrou abraços de saudade e de despedida. Aquela mesma esquina tijucana que te leva... e me deixa.
Me deixa com sua voz falando baixo em meu ouvido. Me deixa com fotos velhas guardadas no baú. Me deixa com sua letra em meus cadernos. Me deixa com a sua cara de fúria quando alguém me magoava. Me deixa com tantas declarações de amor e tanto silêncio...
Me leva essa tortura, menino.
Meus minutos imóveis se acabam e desabo num choro compulsivo.
Hoje eu aceito esse aperto. Só hoje eu me permito chorar.
Porque hoje minha dor tem cor ... e nome.
André (Jambo), descanse em paz.

2 de agosto de 2011

Meu muro.


Construí esse muro sozinha.
Foi feito de sangue e choro ao som de falsas promessas. Pintado à mão. Minha mão trêmula.
Necessitei das pontas dos meus pés em alguns momentos. Muito alto. Cada vez mais alto.
Fui deixando pessoas durante a construção. Esmaguei muitas entre uma defesa e outra. Entre um tijolo e outro.
Aprendi a me equilibrar nos inacabados e descartei com a maior frieza os mais pesados. Sempre fui fraca. Minha força de menina não suporta tanto.
Tentei abandoná-lo por diversas vezes. Mas sempre surgia uma mágoa nova pra se acomodar em meus destroços.
Tentaram derrubá-lo. Eu tentei também. O irônico é que ele crescia cada vez mais sem eu nem perceber. Quando dei por mim, não enxergava nada do outro lado.
Virou obsessivo esse negócio de proteção. Essa válvula de escape crescente e indecente. Perdi o controle dos meus sonhos. Me infiltrei em contos de fadas. Massacrei mocinhos e mocinhas com a simplicidade de um toque. Nem senti.
Esqueci como é confiar nas pessoas. Fui me defendendo com tantas garras, me escondendo com tanto afinco, que não me lembro mais o que é sossegar no colo de alguém de olhos fechados.
Cada vez mais só. Só eu e o meu muro.
Se a minha solidão fosse só minha talvez fosse mais fácil.

(Lara Gay)