24 de novembro de 2010

Na mesa do bar

Sensação de câmera lenta.
Fixei naquele momento.
No sorriso largo dela que parecia querer engolir o mundo para alimentar o vazio que a preenchia.
O olhar tão penetrante enquanto gesticulava suas dores que fiquei hipnotizada por alguns segundos.
Perdi a história.
O cabelo preso com dois grampos formando o ar de menina travessa.
As tatuagens escapulindo pela blusa, pela saia, pela bota...
Era ela.
Como sempre foi.
Exatamente ela.
A mesma voz que me acalmava.
A mesma irmã de alma.
Era ela, iluminada como só ela é.
Fazia tanto tempo que eu não reparava em seus detalhes.
Tão linda e tão viva.
Me enchi de uma paz ao me perder naqueles segundos que me senti completa por estar ao seu lado.
Senti raiva de mim por ter perdido tanto tempo remoendo mágoas
Por não ter perdido outras histórias em outros momentos observando sua delicadeza
É tão bonito ver aquele lado humano da super heroína que não chora e não cai.
(Ela sempre foi minha super heroína, embora não saiba.)
Me deu uma solidão de ter vivido momentos sem aquele riso
De ter chorado sem molhar aquela borboleta
De não ter sido o colo que ela precisou quando se sentiu sozinha
Tive vontade de pegar na sua mão e pedir desculpas.
De dizer que a amo sem receio e sem medo de julgamentos.
Mas era ela ali.
E eu tive vergonha... de mim
Continuei na minha câmera lenta tentando retomar o rumo da conversa.
Dei um sorriso concordando com a cabeça sem saber o que ela falou e dei um gole no copo de água.
Era ela.
A mesma amiga de sempre.

(Lara Gay)

6 de novembro de 2010

O amor no colo


"A dor não pede compreensão, pede respeito. Não abandonar a cadeira, ficar sentado na posição em que ela é mais aguda.
Vejo homens que não têm coragem de terminar o relacionamento. Que não esclarecem que acabou. Que deixam que os outros entendam o que desejam entender. Que preferem fugir do barraco e do abraço esmurrado. Saem de mansinho, explicando que é melhor assim: não falar nada, não explicar, acontece com todo mundo.
Encostam a porta de sua casa (não trancam) e partem para outra vida.
Não é melhor assim. Não tem como abafar os ruídos do choro. O corpo não é um travesseiro. Seca com os soluços.
Não é melhor assim. Haverá gritos, disputa, danos. É como beber um remédio, sem empurrar a colher para longe ou moldar cara feia. É engolir o gosto ruim da boca, agüentar o desgosto da falta do beijo.
Será idiota recitar Vinicius de Moraes: "que seja infinito enquanto dure". A despedida não é lugar para poesia.
Haverá uma estranha compaixão pelo passado, a língua recolhendo as lágrimas, o rosto pelo avesso. Haverá sua mulher batendo em seu peito, perguntando: "Por que fez isso comigo?"
Haverá a indignação como última esperança.
Haverá a hesitação entre consolar e brigar, entre devolver o corte e amparar.
Vejo homens que somente encontram força para seduzir uma mulher, não para se distanciar dela.
Para iniciar uma história, não têm medo, não têm receio de falar.
Para encerrar, são evasivos, oblíquos, falsos. Mandam mensageiros.
Não recolhem seus pertences na hora. Voltarão um novo dia para buscar suas coisas.
Não toleram resolver o desespero e datar as lembranças. Guardam a risada histérica para o domingo longe dali.
Mas estar ali é o que o homem precisa. Não virar as costas. Fechar uma história é manter a dignidade de um rosto levantado, ouvindo o que não se quer escutar. Espantado com o que se tornou para aquela mulher que amava. Porque aquilo que ela diz também é verdade. Mesmo que seja desonesto.
Desgraçadamente, há mais desertores do que homens no mundo.
Deveriam olhar fora de si. Observar, por exemplo, a dor de uma mãe que perde seu filho no parto.
O médico colocará o filho morto no colo materno. É cruel e - ao mesmo tempo - necessário. Para que compreenda que ele morreu. Para que ela o veja e desista de procurá-lo. Para que ela perceba que os nove meses não foram invenção, que a gestação não foi loucura. Que o pequeno realmente existiu, que as contrações realmente existiram, que ela tentou trazê-lo à tona. Que possa se afastar da promessa de uma vida, imaginar seu cheiro e batizar seu rosto por um instante.
Descobrir a insuportável e delicada memória que teve um fim, não um final feliz. Ainda que a dor arrebente, ainda é melhor assim."

(Fabrício Carpinejar)


ps. só pra fixar, esse texto NÃO É MEU! é do poeta e jornalista Fabrício Carpinejar, mas quando li fiquei muito tocada, porque é exatamente o que eu queria falar há dois meses e não consegui achar palavras! Então, uso as dele pra expressar esses dois meses engasgados. Obrigada.