18 de agosto de 2010

Duas


Bateu na minha porta com a mala na mão
Uma coragem tímida
Eu abri de peito aberto e dei de cara com a dor me sorrindo
Um silêncio sincero. Nada constrangedor. Sincero.
Abracei aquela vida tomando ela pra mim
Emprestei meu colo pros dias solitários
Minhas (milhares de) palavras pras noites de insônia
Aos poucos dividimos risadas, guarda-chuvas e contas
Passamos noites em claro devorando vícios televisivos
Devorando pizzas e brigadeiros
Transformando a monotonia em companhia
Fui aprendendo a ser duas, a ser mais...
Me ensinou a ler os olhos. A mudez da boca.
Me trouxe a paz perdida na desordem
Registros únicos. Focados no momento exato da alegria. Do movimento.
A disputa infantil de quem dorme primeiro
O “boa tarde” assim que os olhos se abrem ao meio dia
Roupas emprestadas. Histórias trocadas. Estradas cruzadas.
Conquistou o seu lugar
Cativou o inexplicável
Tem seus pedaços espalhados na ausência física
A mala foi fechada. Foi embora.
O barulho do silêncio irritante
Meus passos sozinhos pela casa
... É só saudade de ser duas.

(Lara Gay)

4 de agosto de 2010

boba


Costumava se perder dentro dela mesma diversas vezes em menos de um minuto
Concluía lógicas incoerentes do que era aquele furacão sem nome que vivia dentro de si...
... e ria.
Ria delicadamente numa leve loucura assim que mudava de opinião
Contava sonhos pras estrelas com um copo de água na mão e cantava com o rosto enfiado no travesseiro sufocando o choro entalado.
Achava que assim a vida podia ser engolida junto com a dor ao som da sua própria voz abafada
Ela era discretamente exagerada
Era boba, diziam
E assim se sentia
Sua vida era um livro aberto, bem rasurado e com alguns rasgos nos finais dos capítulos
Tudo terminava em reticências... ou não terminava
Tinha aquela flor azul desenhada no cantinho de cada página
É... era boba ela
Constantemente perdia os chinelos no caminho até a praia
Mas sempre encontrava um par de olhos sorrindo pra aquecer seus pés descalços
Desconfiada. Desafinada. Descontrolada.
Sorria sangue
Na sua arisca forma defensiva conquistava cada vez mais almas bêbadas e trôpegas carentes do silêncio de um grito
Molhava o rosto na beira do mar porque não sabia nadar
Dormia de meias (rasgadas) para se proteger do bicho papão
Uma agonia eterna dentro daquele pequeno corpo bobo de menina
Morria com a lua
Respirava através de pausas e suspiros
Sobrevivia ... linda ... viajando sem saber pra onde ir.

(Lara Gay)