Quando eu era criança eu disse pra minha mãe que queria ser atriz e ela, assustada, me perguntou por quê. Com a maturidade de meus cinco anos eu respondi "Porque ser só eu me cansa. Quero ser todas."
Lembro bem que a primeira pessoa que quis ser foi a tia Jaqueline, minha professora da escola. Ela tinha os cabelos longos cacheados, a pele morena e os olhos meio mel meio verdes, ela era adulta e todos os meninos gostavam dela. Parecia incrível ser tia Jaqueline.
Depois eu quis ser professora, não pela tia Jaqueline, mas pela minha amiga Lilian, que tinha a minha idade e era muito inteligente e bonita, então, obviamente, pela minha lógica, as meninas inteligentes e bonitas queriam ser professoras.
Fã da Xuxa, eu quis ser paquita, óbvio! Mas eu era má aluna e me disseram que tinha que tirar notas boas para ser paquita e, além disso, eu não era bonita o suficiente, era bem esquisita pra ser sincera, e uma paquita tinha que ser muito mais do que eu era.
O tempo passou um pouco e eu quis ser a Sandy pra poder cantar num palco e ser irmã do Júnior (mas no fundo eu queria mesmo era beijar o Júnior. Não entendo porque ser a Sandy nesse caso). Quis ser chiquitita, nenhuma especificadamente, apenas ser uma; seria incrível morar na Argentina, aparecer na TV e ter vários amigos de cena com a minha idade. Mais tarde um pouco quis ser americana pra namorar o Justin Timberlake (porque pra mim bastava ser americana para namorar com ele). E assim por diante...
Quis ser mulher maravilha pra usar uma roupa nada convencional e salvar o mundo, quis ser Lara Croft só porque o nome era o mesmo que o meu, quis ser a Emma das Spice Girls porque ela era linda e fofa, quis ser menino porque me parecia mais fácil do que ser menina, quis ser a Sininho pra conhecer a Terra do Nunca, quis ser Audrey Hepburn porque ela é a maior das minhas divas, quis ser mil, ser todas, ser outras, simplesmente porque ser só eu todos os dias me cansava. Olhar no espelho e ver a mesma pele branca de cabelos castanhos bagunçados todos os dias me enjoava, ver os mesmos olhos imensos e aquela mesma boca que ocupava metade do espelho quando eu tentava sorrir me dava pânico. Eu podia ao menos ser a branca de neve, que tinha as mesmas características mas era bonita, era princesa.
Eu cresci, mesmo querendo ser criança pra sempre, e de alguma forma, nesse processo, eu aprendi a querer ser eu. Acho que em algum momento da adolescência eu senti saudades de mim, que eu nem sabia direito quem era, e resolvi me dar uma chance de me conhecer melhor. Vai que ser eu é bacana? Afinal, me parece mais original ser única do que ser outras.
Confesso que, aos 30 anos, ainda estou me conhecendo e me reconhecendo, e a cada nova descoberta sobre mim, é um grande passo que me dou, é um grande abraço que me embalo em mim mesma e me encho de carinho.
Hoje em dia o que eu mais quero é ser mil outras em cima de um palco e apenas eu no espelho. Eu, com aquela mesma pele branca sem marca de biquíni, com a juba dourada bagunçada e com as mesmas proporções de olhos e bocas de quando eu não queria ser eu. Eu, brasileira, sem ser diva, sem visitar a Terra do Nunca, sem namorar Justin e sem ter conhecido a Xuxa. De tanto me olhar no espelho aprendi a aceitar o que eu era e, principalmente, a amar o que eu via. Os anos me ajudaram também. Minhas três décadas me ajudaram a lidar com a insegurança e a baixa autoestima, e eu percebi que o mais importante de tudo é que passei a me enxergar por dentro, assim mesmo, bem clichê. Porque dizer que a beleza está dentro é clichê, mesmo sendo verdade. Ser eu virou minha realidade boa, e se minha mãe me perguntasse novamente porque eu escolhi a profissão atriz eu responderia "Porque eu aprendi a ser eu sendo todas".
(Lara Gay)