23 de setembro de 2015

Saudade.

Arte por Julia Maino


Um peito que sente a falta.
Dos seus olhos verdes e do som da sua risada.
Da sua letra torta e da sua forma torta de amar.
De todos os anos que vivemos e dos que não pudemos.
Porque não viver aumenta a saudade.
E alguns dias são mais insuportáveis que outros.
Vivo hoje, então, por nós dois.
Mesmo cheia de ausência.
Mesmo vazia de você.
Arrastando as memórias da minha menina .
Guardando as lembranças do seu menino.
Tentando te arrancar com todas as minhas lágrimas de dentro de mim.
Mas você é raiz forte.
Sempre foi.
Me prometeu ser chuva, ser flor, ser tudo.
E é.
Cumpro, assim, o que me prometeu.
E me carrego pra viver por você.
Mas dia ou outro me pego morrendo.
De saudade.

(Lara Gay)


16 de março de 2015

Quando eu aprendi a ser eu.



Quando eu era criança eu disse pra minha mãe que queria ser atriz e ela, assustada, me perguntou por quê. Com a maturidade de meus cinco anos eu respondi "Porque ser só eu me cansa. Quero ser todas."
Lembro bem que a primeira pessoa que quis ser foi a tia Jaqueline, minha professora da escola. Ela tinha os cabelos longos cacheados, a pele morena e os olhos meio mel meio verdes, ela era adulta e todos os meninos gostavam dela. Parecia incrível ser tia Jaqueline.
Depois eu quis ser professora, não pela tia Jaqueline, mas pela minha amiga Lilian, que tinha a minha idade e era muito inteligente e bonita, então, obviamente, pela minha lógica, as meninas inteligentes e bonitas queriam ser professoras.
Fã da Xuxa, eu quis ser paquita, óbvio! Mas eu era má aluna e me disseram que tinha que tirar notas boas para ser paquita e, além disso, eu não era bonita o suficiente, era bem esquisita pra ser sincera, e uma paquita tinha que ser muito mais do que eu era.
O tempo passou um pouco e eu quis ser a Sandy pra poder cantar num palco e ser irmã do Júnior (mas no fundo eu queria mesmo era beijar o Júnior. Não entendo porque ser a Sandy nesse caso). Quis ser chiquitita, nenhuma especificadamente, apenas ser uma; seria incrível morar na Argentina, aparecer na TV e ter vários amigos de cena com a minha idade. Mais tarde um pouco quis ser americana pra namorar o Justin Timberlake (porque pra mim bastava ser americana para namorar com ele). E assim por diante...
Quis ser mulher maravilha pra usar uma roupa nada convencional e salvar o mundo, quis ser Lara Croft só porque o nome era o mesmo que o meu, quis ser a Emma das Spice Girls porque ela era linda e fofa, quis ser menino porque me parecia mais fácil do que ser menina, quis ser a Sininho pra conhecer a Terra do Nunca, quis ser Audrey Hepburn porque ela é a maior das minhas divas, quis ser mil, ser todas, ser outras, simplesmente porque ser só eu todos os dias me cansava. Olhar no espelho e ver a mesma pele branca de cabelos castanhos bagunçados todos os dias me enjoava, ver os mesmos olhos imensos e aquela mesma boca que ocupava metade do espelho quando eu tentava sorrir me dava pânico. Eu podia ao menos ser a branca de neve, que tinha as mesmas características mas era bonita, era princesa.
Eu cresci, mesmo querendo ser criança pra sempre, e de alguma forma, nesse processo, eu aprendi a querer ser eu. Acho que em algum momento da adolescência eu senti saudades de mim, que eu nem sabia direito quem era, e resolvi me dar uma chance de me conhecer melhor. Vai que ser eu é bacana? Afinal, me parece mais original ser única do que ser outras.
Confesso que, aos 30 anos, ainda estou me conhecendo e me reconhecendo, e a cada nova descoberta sobre mim, é um grande passo que me dou, é um grande abraço que me embalo em mim mesma e me encho de carinho.
Hoje em dia o que eu mais quero é ser mil outras em cima de um palco e apenas eu no espelho. Eu, com aquela mesma pele branca sem marca de biquíni, com a juba dourada bagunçada e com as mesmas proporções de olhos e bocas de quando eu não queria ser eu. Eu, brasileira, sem ser diva, sem visitar a Terra do Nunca, sem namorar Justin e sem ter conhecido a Xuxa. De tanto me olhar no espelho aprendi a aceitar o que eu era e, principalmente, a amar o que eu via. Os anos me ajudaram também. Minhas três décadas me ajudaram a lidar com a insegurança e a baixa autoestima, e eu percebi que o mais importante de tudo é que passei a me enxergar por dentro, assim mesmo, bem clichê. Porque dizer que a beleza está dentro é clichê, mesmo sendo verdade. Ser eu virou minha realidade boa, e se minha mãe me perguntasse novamente porque eu escolhi a profissão atriz eu responderia "Porque eu aprendi a ser eu sendo todas".

(Lara Gay)


22 de novembro de 2014

O temporal.



... Então, é quando ela se encontra sozinha,
Sem se encontrar em lugar algum,
Que sua alma transborda.
Chuva quente no rosto
Aliviando o temporal interno
Que inunda o dia a dia da moça.
A eterna busca por sentimentos
Que desapareceram junto com seu velho sorriso largo
Há tempos.
Mas que tempos?
Quanto mais ela transborda de si mesma
Mais se perde em sua busca.
Só frieza.
Lágrimas por ninguém.
Nem por si.
Se seca de tanta água.
Se recompõe com olhos inchados,
A pele branca vermelha,
As mãos perdidas nos cachos.
Veste sua fantasia de sair na rua
O disfarce da felicidade que não existe.
Sorri para o sol
Enquanto o temporal recomeça dentro dela.

(Lara Gay)

1 de abril de 2014

Roda Vida.



Sentir que a dor do outro faz minha dor maior
E não achar sentido no que venho sentido há tempos
Me faz sentir inútil.
Então eu questiono:
Qual é o sentido da vida?
Essa roda gigante que para de repente
Quando chegamos ao topo dela,
Dos nossos medos
Ou sonhos.
E quando o sonho é não sentir medo?
Ela volta a girar
Esfregando o vento na nossa cara
Pra sentirmos que tudo passa.
Até o topo.
Até o medo.
Até o sonho.
Até o vento.
E chega ao chão novamente
Onde não há vento.
Nem medo.
Nem sonho.
Nem nada.
Pra sentirmos que tudo para.
E qual o sentido de viver aqui sem sentir?
Lá vai a “roda vida” de novo pro topo
Numa busca constante de sentidos inexplicáveis.
Concluo assim:
Se a vida roda pra sentirmos,
Então a dor que sinto pela dor do outro
Faz parte da vida que passa.
E se a vida roda pra fazer sentido,
Então essa dor é inútil
Faz parte da vida que para.

(Lara Gay)

17 de novembro de 2013

Domingo.



Me distraio em chuva fina
Vida na janela
Volto a ser menina

Lembrando de um tempo que eu era sol
Brincava de boneca
E cabaninha com lençol

Recrio minha vida em um segundo lento
Sentada no passado
Presente no momento

Onde está meu futuro incrível agora?
Na lembrança de um domingo?
No temporal que cai lá fora!

(Lara Gay)